Tomar água de coco na praia é um dos prazeres do cearense, que mantém a tradição de ingerir a bebida dentro do próprio fruto. Mas a cada dia a indústria de alimentos se aperfeiçoa com o objetivo de tornar a água de coco de caixinha mais parecida com o líquido natural e ainda conservar essa bebida bastante perecível. Uma das soluções pode vir de pesquisa produzida na Universidade Federal do Ceará, que tem apostado no chamado plasma frio, processamento não térmico em avaliação na indústria alimentícia para aumentar a vida útil da bebida nas prateleiras dos supermercados.
O plasma frio é um gás produzido em laboratório que contém cargas elétricas e, por isso, transporta eletricidade. Ele mata bactérias, vírus e fungos e está sendo estudado hoje em processos de cicatrização e até em tratamento contra o câncer. Esse tipo de processamento é um método de conservação que não utiliza altas temperaturas, preservando a qualidade nutricional do alimento. Trata-se de uma inovação na indústria, podendo substituir os processamentos térmicos, como a pasteurização, os quais embora eliminem microrganismos perigosos para a saúde e retardem a deterioração dos produtos, também podem diminuir o valor nutricional deles.
Sem perder características importantes como o sabor, a água de coco processada sem a utilização de altas temperaturas pode trazer ainda benefícios à saúde humana através do aumento da atividade antioxidante da bebida, protegendo o organismo da ação dos chamados radicais livres, moléculas altamente instáveis que, em excesso no corpo, são capazes de oxidar células saudáveis. Isso é possível graças à maior disponibilidade de compostos bioativos, que melhoram as atividades e reações químicas dentro das células, como os ácidos fenólicos e flavonoides, substâncias com ação anti-inflamatória, antioxidante e desintoxicante. Além disso, o processamento não térmico dispensa o uso de conservantes adicionais para estender a vida útil da água de coco, inibe microrganismos causadores de doenças e é capaz de inativar processos enzimáticos deteriorantes, ou seja, impede o estrago rápido da bebida.
O estudo foi conduzido pela professora Sueli Rodrigues, coordenadora do Laboratório de Biotecnologia (LABIOTEC) do Departamento de Engenharia de Alimentos do Centro de Ciências Agrárias, e pela pesquisadora Thaiz Rangel, que integra o Laboratório, além de professores do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais e do Departamento de Engenharia Química e publicado na revista Food and Bioprocess Technology com o título Technology protective effect of natural and processed coconut water by non-thermal technologies against oxidative stress in brine shrimp (Artemia salina) (Efeito protetivo de água de coco não processada e processada por tecnologias não térmicas contra o estresse oxidativo em Artemia salina”). Além do plasma frio, também foram estudados, na pesquisa, outros dois tipos de processamento não térmico: o ozônio e o ultrassom.
A equipe se dedica principalmente a investigar se a água de coco submetida a essas tecnologias não térmicas apresenta algum tipo de toxicidade ao organismo vivo. O foco é o plasma, gás instável que pode provocar transformações químicas nos alimentos com efeitos ainda desconhecidos para a saúde.
Ensaios de toxicidade
Com o objetivo de verificar se o processamento seria tóxico para os seres humanos, os pesquisadores utilizaram como organismo-teste a Artemia salina, um pequeno crustáceo que vive em lagos de água salgada e salinas de todo o mundo. “A Artemia salina em ensaios de toxicidade apresenta várias vantagens em relação a outros animais de laboratório clássicos, como camundongos, ratos e coelhos. Os principais ganhos estão relacionados ao custo e tempo dos experimentos”, explica Thaiz Rangel. Essa é a primeira pesquisa do LABIOTEC com ensaios de toxicidade, que foi parte da dissertação de Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos da aluna Elaine Cristina Maciel Porto, defendida em 2020.
A escolha ainda atende aos princípios bioéticos, pois substitui o uso de animais vertebrados na pesquisa científica. “A utilização de Artemia salina é desejável, uma vez que esses organismos são invertebrados. Apesar disso, pouco se perde no contexto de estudos toxicológicos, pois esses indivíduos são sabidamente sensíveis a diferentes substâncias químicas”, ressalta.
Os indivíduos foram expostos a soluções de água oxigenada e, em seguida, à água de coco processada não termicamente. O que se verificou é que o estresse oxidativo – um desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxigênio que são prejudiciais em excesso e a defesa antioxidante do organismo – causado pela água oxigenada foi revertido pela bebida processada.
A amostra de água de coco tratada com plasma, em relação às amostras com ozônio e ultrassom, foi a mais eficiente em prevenir as mortes das Artemias, indicando a eficiência dessa tecnologia não térmica na prevenção de estresse oxidativo. Já a água de coco sem processamento foi eficiente na prevenção de mortes pelo estresse oxidativo apenas em altas concentrações e em curtos períodos de experimento.
Transferência tecnológica
De acordo com Thaiz Rangel, não havendo indicativos de toxicidade do plasma, a princípio não seriam necessários testes em seres humanos. Nesse sentido, há possibilidade de comercialização do método, com realização da transferência tecnológica e o registro de patente. “Entretanto, estudos adicionais são necessários para a produção em escala industrial”, adverte.
O trabalho recebeu financiamento da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através do Sistema Nacional de Nanotecnologia (SISNANO), do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Frutos Tropicais e do Edital Universal 2018.
Também integram o estudo os professores Emilio de Castro Miguel, do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais; Fabiano André Narciso Fernandes, do Departamento de Engenharia Química; além dos pesquisadores Elaine Cristina Maciel, mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela UFC, e Sergimar Kennedy de Paiva Pinheiro, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia de Recursos Naturais da UFC.
Fonte: Thaiz Rangel, pesquisadora do Laboratório de Biotecnologia (LABIOTEC) da UFC – e-mail: thaizrangel@gmail.com
Texto escrito por Síria Mapurunga e publicado originalmente no site da Agência UFC.